O TRABALHO DOCENTE
As idéias do autor vêm de encontro direto à realidade de nosso trabalho, achei a leitura muito confortante; tendo em vista que muitos autores falam da prática docente, parecendo desconhece-la, falam de nossa realidade, como se todos nossos alunos fossem iguais, já o autor expõe o contrário quando afirma:: “Por outro lado, contrariamente aos objetos seriais do industrial, que são homogêneos, os alunos são heterogêneos. Eles não possuem as mesmas capacidades pessoais nem as possibilidades sociais. As suas possibilidades de ação variam, a capacidade de aprenderem também, assim como as possibilidades de se envolverem numa tarefa, entre outras coisas. Ao se massificar, o ensino passou a se deparar cada vez mais com alunos heterogêneos em termos de origem social, cultural, étnica e econômica, sem falar das importantes disparidades cognitivas e afetivas entre os alunos. Essa questão levanta o complexo problema da eqüidade dos professores em relação aos grupos de alunos que lhes são confiados.” (pg.129).
Inclusive, o autor faz uma crítica, a algumas pesquisas pedagógicas,dizendo que: “...essas pesquisas se baseiam com demasiada freqüência em abstrações, sem levar em consideração coisas tão simples, mas tão fundamentais, quanto o tempo de trabalho, o número de alunos, a matéria a ser dada e sua natureza, os recursos disponíveis, os condicionantes presentes, as relações com os pares e professores especialistas, os saberes dos agentes, o controle da administração escolar, etc.” (pg.115).
Muitas das afirmações do autor são muito pertinentes, quando fala da forma que o professor trabalha, do seu envolvimento integral com o trabalho, de que utilizamos nossa personalidade ao trabalharmos, quando fala do pouco ou nenhum poder que o professor tem de constatar se realmente seus alunos estão obtendo aprendizados...
Eis um dos motivos da minha paixão por alfabetizar, é um momento em que podemos verificar verdadeiramente o aprendizado dos alunos; o retorno que os alunos nos dão é real, e perceptível,o aluno “dá retorno” ao nosso trabalho...
Nosso quotidiano é movido por atitudes, pensamentos e ações em função do aprendizado de nossos alunos, quantas vezes, já ouvi a frase: “De que jeito posso ensinar isso aos meus alunos”; essa afirmação tem por trás de si o que autor disse: “...o conteúdo ensinado em sala de aula nunca é transmitido tal e qual: ele é “interatuado”, transformado, ou seja, encenado para um público, adaptado, selecionado em função da compreensão do grupo de alunos e dos indivíduos que o compõe...”( pg.120).
O autor menciona as dificuldades de ensinar, que se deve levar em conta as diferenças existentes de diversos fatores: alunos, escola, conteúdos, materiais disponíveis,...Traz ao seu discurso um outro elemento, que é o envolvimento emocional do professor com seu trabalho, e com seus alunos, que muitas vezes não é mencionado, muitas vezes nosso trabalho é medido pelo que nossos alunos aprendem em forma de conteúdo, o professor bom ainda é aquele que “vence” todos os conteúdos. Muitas vezes os professores que se envolvem emocionalmente com os alunos, que conhecem seus alunos e sua realidade, dão conta de algo maior, de um envolvimento emocional, um suporte emocional que o aluno não encontra em outro lugar. Como afirma o autor: Esse fardo é realmente assumido e vivido por professore que se confrontam, as vezes diariamente, com as crianças que sofrem de diferentes problemas, por exemplo de carência de atenção e de amor. Nesse sentido, como dizia Tom (1984), o ensino é realmente um trabalho moral.(pgs.143, 144). O que é uma grande vantagem para o professor, como também afirma o autor: “O professor que é capaz de se impor a partir daquilo que é como pessoa que os alunos respeitam, e até apreciam ou amam, já venceu a mais temível e dolorosa experiência de seu ofício, pois é aceito pelos alunos e pode, a partir de então, avançar com a colaboração deles.”(pg. 140)
O autor fala também, de um fator muito importante que influencia diretamente nossas salas de aula: “...Embora ensinem a grupos, os professores não podem deixar de levar em conta as diferenças individuais, pois são os indivíduos que aprendem, e não os grupos.” (pg. 129). Ou seja, quando fizemos nossos planejamentos, mesmo atuando com um grupo de alunos, é impossível não levar em conta que cada indivíduo tem uma forma diferente de aprender, e por isso adequamos, modificando os discursos, os exemplos, as atividades, as explicações, para conseguirmos atingir um maior número de alunos, e os que não atingimos, retomamos em outra oportunidade, de outra forma, o fazer docente é um reinventar maneiras de ensinar a mesma coisa...
Outro fator que influencia diretamente o nosso trabalho é fato do não envolvimento dos alunos com o aprendizado; eles vêm à escola de forma forçada como diz o autor: “E é porque eles são forçados a ir à escola que essa dimensão de atividades ou de liberdades dos alunos se torna importante: a escola não é escolhida livremente, ela é imposta, e isso, inevitavelmente, suscita resistências importantes em certos alunos. Os professores devem desenvolver nos alunos essa “sujeição voluntária” da qual já falava Etienne de La Boétie (1976), ou seja, devem inculcar-lhes a convicção de ir à escola por vontade própria e de estar “para seu próprio bem”: a obrigação relativa à escola deve transformar-se em interesse pela escola: pouco importa que esse interesse seja obtido e mantido por meios extrínsecos (notas) e ou intrínsecos (motivação e produção de sentido).”( pgs. 130,131).
Ainda, quero ressaltar a fala do autor que diz que o fazer docente é um fazer social: “Dado que os professores trabalham com os seres humanos, a sua relação com o objeto de trabalho é fundamentalmente construída de relações sociais. Em grande parte, o trabalho pedagógico dos professores consiste precisamente em gerir relações sociais com os seus alunos.” (pg.132).
Foram tantas e extremamente interessantes as afirmações do autor , que encontrei uma certa dificuldade de selecionar e trazer as idéias que mais me chamaram a atenção. De fato, Maurice Tardif trouxe nesse capítulo afirmações que me comoveram, uma vez que falou da realidade da nossa sala de aula, sem desvalorizar nenhum elemento que a compõem, isto é confortante, pois muitas pessoas falam da educação e da pedagogia, sem terem contato direto com ela, e acabam formando teorias distantes e desassociadas da realidade.
Bibliografia:
- TARDIF, Maurice. O trabalho docente, a pedagogia e o ensino. Cap. 3. p. 112 – 149. In Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes, 2003.
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